Hélio Schwartsman - Folha de
São Paulo - 09/03/2013 - São Paulo, SP
A mais
fantástica tecnologia humana não é o computador nem o
velcro, mas a escrita. Se um pensador antigo como Platão podia
vê-la com desconfiança, por imaginar que destruiria a
capacidade de memorização, hoje, 2.400 anos depois, sabemos
que não é assim.
Não apenas
não existiria civilização, se não
dispuséssemos de uma forma de registro perene das ideias, como ainda
há indícios de que a alfabetização modifica
fisicamente o cérebro, criando rotas de comunicação
entre diferentes regiões do córtex e ampliando a
memória verbal, como mostra Stanislas Dehaene em seu `Os
Neurônios da Leitura`.
O processo de
alfabetização tem início já nos meses finais da
gravidez, quando o feto vai se familiarizando com os ritmos e sons da
língua materna, e só se encerra na adolescência, quando
emerge um leitor tão experiente que mal presta atenção
nas letras, processando-as em blocos e quase `adivinhando` o sentido das
palavras. Entre os 5 e os 6 anos de idade, porém, ocorre uma fase
crítica que precisa ser aproveitada. As crianças, que
até então apenas memorizavam o formato de palavras especiais,
como seus nomes, começam a perceber que a escrita alfabética
envolve um jogo de sons. Está surgindo o que os especialistas chamam
de consciência fonológica.
Embora os
construtivistas não gostem, este é o momento em que o
código alfabético precisa ser ensinado explicitamente,
já que o processo de percepção dos fonemas não
é automático nem natural. Deixar de fazê-lo atrasa e
pode até comprometer a alfabetização, em especial a
das crianças mais pobres, que já saem em desvantagem por
terem sido menos estimuladas para a leitura.
Nesse contexto, a
Câmara, com apoio do governo, prestou um desserviço à
educação, ao rejeitar uma emenda à MP 586, que reduzia
de 8 para 6 anos a idade ideal para as escolas alfabetizarem a garotada.
Detalhe: a mudança só valeria em 2017.